quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

"O tempo é um grande professor.Quem viaja no tempo tem que aprender".

Clave de Sol  Oswaldo Justo
24 de março de 1983
As vezes, constato que  já estou na casa dos 56 anos. Como já vai longe o meu tempo de juventude e mais longe ainda o meu tempo de menino. A vida é realmente uma viagem. As lembranças -  muitas delas vão se apagando - é como uma fotografia que vai ficando esmaecida. O tempo é um grande professor. Quem viaja no tempo tem que aprender. Acho que esta é a fase da minha vida onde me encontro em maior condição de segurança. Sinto apenas não poder ficar no meu sítio, porque lá, a vida entra todos os dias pelo meu corpo e pela minha alma. Sinto que muitos dos meus sonhos estão distantes e que vai ser difícil realizá-los. Não são sonhos de grandeza nem de opulência, mas sonhos de viver a minha vida naquilo que realmente gosto. 

Clave de Fá  Maria Inez
11 de dezembro de 2014
Faz algum tempo que não escrevo. Não sinto necessidade. Quando leio o que meu pai escreve, parece que eu mesma escrevi. Suas palavras, seus pensamentos, seus desejos. Suas dificuldades, suas lutas, e até seus vícios, principalmente em relação ao cigarro - tentar largar - e a alimentação - eliminar as guloseimas noturnas. A vontade de viver no campo é a mesma. Poder sentir as belezas da natureza aos primeiros passos da manhã. Andar pela grama molhada pelo orvalho, os animais em alegria logo ao amanhecer, andar entre as flores e sentir seu perfume. Deitar no tempo...isso é magia. Aprendi isso com os animais que fico observando...deitada no tempo. Faça isso você também. Ache um lugar na praia, no campo, ou mesmo em sua casa, desde que possa estar juntinho da terra. Fique lá... entregue-se ao mundo... observe...sinta...deixe que a vida entre pelo seu corpo e atinja sua alma. Agora lembrei que também já estou na casa dos 56 anos.    

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Outono

Clave de Sol    Oswaldo Justo
31 de março de 1982
Estamos iniciando o outono. É uma estação muito linda e interessante. É a porta de entrada para o inverno. Um treino, uma preparação dura da existência. No outono estão todos aqueles que sobreviveram às delícias do verão. Muitas bebidas, muito gelado, muito calor. Assim é o verão - jovem alegre - colorido - fonte de prazeres. Nem todos chegam ao seu final - que é uma longa festa. Os que chegam, recebem como prêmio a possibilidade de se prepararem para o inverno. O outono é assim, uma espécie de concentração para um jogo mais duro. Não é apenas com as pessoas - mas com tudo. As árvores perdem as folhas, o seu crescimento entra em processo de estagnação, a terra começa o seu sono, deixando alguma parte de sentinela para atender alguma emergência. O mato começa a diminuir, os rios e riachos jorram menos água. Os animais começam a treinar para uma espécie de jejum forçado. Pela manhã, já começa a aparecer a cerração cobrindo os campos e escondendo o pico dos morros. Tudo branco. Gotas de orvalho sobre o capim, sobre tudo. Existe também um sentimento, um cheiro particular nessas manhãs. É difícil traduzir mas sei que o elemento principal desse sentimento é o cheiro da infância. 

domingo, 23 de novembro de 2014

...ser lavrador - apenas lavrador - sem outras preocupações".

Clave de Sol  Oswaldo Justo
25 de setembro de 1980
O dia de hoje faz sol, vento e frio. Estamos na primavera. Na cidade não se nota a diferença, os dias vão correndo sempre iguais. Nem quero agora pensar o que é a primavera no campo. Fico triste em constatar que a minha vida, e só tenho uma, vai se consumindo lentamente na cidade. Quando me lembro do perfume das flores, de um pequeno campo de mata, mata sem trato, sem o toque humano. Um pedaço de terra sem dono, livre, entregue à própria sorte, plantas de várias espécies, pássaros, insetos, tudo ali na manifestação pura da natureza. Quando estou trabalhando com a enxada, abrindo covas, encontro minhocas e logo a seguir as galinhas e pintinhos se arriscando, na volúpia de abocanhar minhocas. Aquele cheiro de terra, as aves ao redor, a ferramenta na mão, a botina e o cheiro do mato! O paraíso não terá coisa mais linda e pura. Ali, tudo está integrado. A presença de Deus é constante e a alegria também. Gostaria, caso exista a outra encarnação, que me coubesse como prêmio, pelas pequenas coisas boas que fiz neste mundo, que me permitissem ser lavrador - apenas lavrador - sem outras preocupações. Lá, eu continuaria juntando os pedaços de felicidade que me foi possível colher nesta vida. Acredito que não foram muitos; porém tiveram grande intensidade. Quando viajo, de relance vejo nas estradas, pequenas casas de caboclo incrustadas no sopé ou alto de morros. Como sempre é fim de madrugada, a fumacinha meio azulada completa aquele ambiente de sonho que vejo só de passagem. Pela estrada, procurando sobreviver na guerra do trânsito, fico imaginando o tipo de vida dos habitantes daquelas casas. Quando se abre a porta, um presente maravilhoso de um novo dia. Gotas de orvalho, uma pequena serração. Logo o sol começa a se esparramar pelo quintal. Todos os dias são uma nova vida. 
   



sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Deus estava ali, naquela andorinha graciosa que fazia evoluções sobre nós.

Clave de Sol  Oswaldo Justo
4 de agosto de 1980
Na semana passada fomos à Aparecida do Norte. Foi um passeio agradável, apesar da cansativa viagem. Gostei muito de tudo - da igreja nova e da velha. A igreja nova é de uma grandeza faraônica. Impressionante. Magnífica. Quando estava na igreja velha assistindo à missa, em dado momento, ouvi um cantar de pássaro. Pensei que fosse fora da igreja. Não era! Sobre as cabeças daquela massa de povo, unido pela mesma fé, vi volteando uma andorinha. Alheia ou não a tudo aquilo que acontecia na igreja, ela voava de um lado para outro e pousava em anjos e beirais. Senti naquela hora uma grande emoção. Deus estava ali, naquela andorinha graciosa que fazia evoluções sobre nós. Senti também entre aquele povo, uma ânsia de salvação, de respeito profundo, brotando de almas simples como as suas roupas e jeito. Deus estava ali. Não nos altares, nos santos e na pregação. Deus estava no povo e na andorinha. Depois, saímos da igreja velha e fomos por uma extensa passarela que leva à igreja nova. Andei em todo aquele monumento de arquitetura. Ali, o homem se sente pequeno diante de tão grande e majestosa obra. Só o milagre da fé permitiu que milhares de braços em milhões de horas de trabalho, levantassem aquele monumento que ficará de pé pelas proximidades da eternidade. Ali estava Deus - no imenso trabalho realizado.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

"Acho que todos nós estamos saturados da violência, do ódio, da intransigência e da mentira."

Clave de Sol  Oswaldo Justo
17 de março de 1980
São quatro horas da tarde. Senti grande necessidade de escrever neste diário. Estou no escritório de contabilidade. A fase negra do imposto de renda com prazos para entrega, clientes de  última hora, todos os anos é um grande problema, uma preocupação muito grande. Ontem, domingo, fui à reunião política de constituição da comissão provisória do PMDB. A reunião foi na casa do Esmeraldo Tarquínio. Lá, voltei aos meus velhos tempos.
3 de julho de 1980
Esta chovendo a mais de uma semana. Estou no escritório de contabilidade. Estou muito satisfeito. Encontrei este diário depois de procurá-lo tanto! Afinal de contas, o diário não estava perdido. "Inexplicavelmente", estava procurando um livro, quando o "diário" se constitui em folhas soltas que escrevo e vou colocando numa pasta. Quantas vezes vi e toquei esta pasta. Hoje, lembrei-me que o "diário" estava nesta pasta. Por isso voltei a escrever. 
4 de julho de 1980
Depois de chover quase quinze dias, o sol está querendo aparecer hoje. O Papa João Paulo II está visitando o Brasil desde segunda feira. Em todos os locais visitados, a afluência do público acredito seja dos maiores em toda a história do Brasil. É impressionante a vibração popular. Indescritível a emoção que se apossa do povo. É um delírio coletivo. Quem assisti, como tenho assistido pela televisão, fica emocionado. A figura do Papa é majestosa. Voz dura e no entanto carinhosa. Seus discursos abrangem todos os problemas com grande profundidade, porém, não incomodam ninguém. Seus pensamentos, mesmo os de crítica à sociedade e governo, são lançados com tamanha inteligência e sutileza que a crítica é bem aceita por todos. Em tudo isso, me parece que o povo, que vive no meio de tanta violência e desamor, estava ansioso por ver uma festa sua - de paz, carinho e concórdia. Acho que todos nós estamos saturados da violência, do ódio, da intransigência e da mentira. Nessa festa não houve lugar para a prepotência.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Eu já defendi grandes ideais, principalmente os ligados à Pátria e à comunidade.

Clave de Sol  Oswaldo Justo
10 de janeiro de 1980
Já estamos no mês de janeiro de um ano novo. Incrível como tudo passa tão rápido. Já estou com 53 anos de idade. Quase não acredito nessa realidade. As vezes me ocorre que um dia terei que morrer. Fico pensando de que forma será - violenta ou natural. Pensar que o nosso corpo que cuidamos com tanto zelo e alguns sacrifícios, será um dia abandonado. Enfim, essa é a lei da vida. À medida que vamos envelhecendo, muitas coisas vão perdendo o valor. Conceitos que se vão modificando. Um dia destes fiquei pensando, que os moços devem conduzir o mundo e as coisas mais sérias, pois eles ainda alimentam sonhos e ilusões. Eu já defendi grandes ideais, principalmente os ligados à Pátria e à comunidade. Agora, não sei se em razão dos quinze anos de ditadura que se instalou no Brasil desde 1964 ou em razão dos meus tantos anos vividos, não possuo mais aquele entusiasmo que sempre me projetou para frente, sem medir inclusive riscos, quando estava seguro dos meus ideais. Atualmente, tenho muitas recordações desse tempo. Passo as vezes pela Rua XV de Novembro, vejo os prédios, os antigos Bancos - local onde existiu a sede do Sindicato dos Bancários. Fico recordando e tenho grandes emoções.
Clave de Fá Maria Inez
14 de outubro de 2014
Nesse ano de 1980 meu pai pouco escreve em seu diário, e quando o faz, geralmente o assunto gira em torno desses dois assuntos - morte e política. Noto uma nostalgia em torno da política e uma reflexão sobre a morte. Penso que o diálogo interior desses dois assuntos, seria uma forma inconsciente para sua volta à política, no ano de 1984.    

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Lá, sinto que estou em sintonia com o universo, sinto a presença do Criador, e a alegria pela vida entra pelo meu corpo e alma em labaredas, que me transportam ao satori.

www.ensaioaquatromaos.blogspot.com.br
Clave de Sol  Oswaldo Justo
17 de dezembro de 1979
Estou com muitas saudades da minha chácara em Atibaia. Ela está à venda mas não acredito que na hora de vender eu concorde. Parece que a chácara é parte do meu corpo, da minha família e que sem ela eu não poderei viver. Quantas lembranças estão ali, representadas por uma árvore, um pássaro, uma flor e até uma cerca. As amizades que fiz em Atibaia - as que estão vivas e as que já morreram. As pequenas ruas de barro onde os homens e mulheres que passam se cumprimentam, conhecidos ou desconhecidos. A chuva grossa ou fina. A chuva de pedra deixando a grama toda branca. O frio bárbaro de julho e agosto com noites claras, frias, paradas, impenetráveis. O firmamento com milhões de pontinhos, o Cruzeiro do Sul! As frutas, cada uma delas em épocas certas. As flores que antecedem os frutos, cheirosos, lindos, muito lindos, brancos como é a flor da laranja e tangerina. A flor de pêssego - avermelhada, a de jabuticaba - milhões de pontinhos brancos no tronco da árvore, a romã - com uma delicada flor vermelha em forma de sino. O exagero da ameixeira, da castanheira e nogueira. O perfume da dama-da-noite, do jasmim, das rosas e de todas as plantas. A minha casa, no meio das árvores, das plantas e dos pássaros, que agradável o seu interior, que delícia almoçar na sala olhando os passarinhos nos pinheiros. Os gramados, as cercas, as lembranças de mais de 17 anos. Os meus filhos e sobrinhos pequenos - bem pequenos. Os almoços que fazemos, num ambiente de tamanha alegria. As comidas que a Nilze faz no forno à lenha. A solenidade de acender o fogo pelo Miguel e a sua alegria ao ver os petiscos que a Nilze faz. Não sei se poderei vender tudo isso que é parte da minha vida. Lá, sinto que estou em sintonia com o universo, sinto a presença do Criador, e a alegria pela vida entra pelo meu corpo e alma em labaredas, que me transportam ao satori. Existe até uma semelhança entre Atibaia e o nosso sítio no bairro do Saboó, onde nós nos criamos. A minha mãe - a mesma pessoa humana - igualzinha de quando eu tinha 10 anos de idade - comandando sempre, decidindo com energia e sabedoria. Gosto de ver a minha mãe no sítio. Sem ela, o sítio não seria a mesma coisa.
Clave de Fá  Maria Inez
9 de outubro de 2014    
Também senti a mesma sensação ao vender o sítio de Peruíbe. Lá, tudo representava algo especial em nossas vidas. Passamos grandes momentos em família, com alegrias e até tristezas profundas. E quando você se foi meu pai...tudo ficou difícil e sem sentido. Mas aos poucos, fui me recuperando. Ali, naquele lugar tão lindo, tão puro, onde sentimos o mundo das matas, dos animais, das flores, das plantações, da vida sem pressa, sem cobrança. Uma vida diferente que não se explica...tem que ser vivida. Eu gosto imensamente dessa vida e ando pensando muito em voltar para ela por mais vezes...quantas vezes eu conseguir...para viver feliz...pois a alegria é o melhor remédio que existe...para o corpo e principalmente para a alma.